Nossa História
Em 2007, ocorreu a chegada de Augostina Pereira e Airton Garcia, e estes foram os responsáveis por iniciar a retomada da aldeia Jejy-ty, em conjunto com três famílias.
Ailton Garcia, da etnia Guarani Kaiowá, nasceu em Mato Grosso, na Aldeia Panali, município de Eldorado, tendo vivido a infância na Aldeia dos Carajás no rio Araguaia, e em seguida na fazenda Guarani, no em Minas Gerais.
Casou-se aos 19 anos na aldeia Boa Esperança em Santa Cruz, Espirito Santo, com Agostinha Pereira, também Guarani, tendo ali então seus dois filhos. A família mudou-se para a Bahia e enfim estabeleceu-se em São Paulo, no Vale do Ribeira, onde reside já há vinte anos, tendo passado antes por Peruíbe, Itariri e Cananéia.
Em 2017 o atual cacique, Leonardo da Silva, começou a contribuir com a aldeia na organização da luta para retomada da Ka´aguy hovy. Em 2020 Augostina passou a liderança para o cacique Leonardo Silva que está restaurando a cultura ancestral, em conjunto com o restante da aldeia, fortalecendo o plantio tradicional e preservando o caminho para todas as lideranças jovens.
O território Tekoa Jejyty sob o olhar do Cacique Leonardo da Silva
“Nossa aldeia é formada por 24 famílias, um total de 80 pessoas. Nosso território, Ka’aguyhovy, reconhecido pela FUNAI,e divido em seis aldeias: Yakã Mirim na ruína de Itaguaí, Jejy-ty Toca do Bugio, Ka’aguy Potyicapara, Yvy-ty Mirim Icapara, Itapuã praia do Leste e Takua-tyaquário. No município de Iguape, na região do Vale do Ribeira São Paulo
Nesse território, a gente criou um conselho de liderança, pra gente cuidar da questão cultural, tradições, religiões e, também uma organização das mulheres (kunhague) e uma organização dos jovens lideranças. Porque hoje, a gente sabe que a maioria dos Guaranis é influenciada pela cultura não indígena.
Buscamos uma maneira de trazer de volta a nossa cultura, porque hoje em dia, nós temos que trabalhar com as duas culturas, conhecer um pouco da cultura de lá e fortalecer também a nossa tradição, que é fundamental para nossa sobrevivência, porque é a nossa essência, ela faz parte da nossa tradição.
Os cânticos
A gente sempre fala, para as pessoas que vêm conhecer a aldeia, da cultura Guarani, porque cada visita que vem a gente faz uma apresentação dos cantos, das danças e fala um pouco das nossas tradições.
Para nós, Guaranis, a música faz parte do cotidiano, desde a nossa existência mesmo.Antes da chegada dos portugueses, a gente já praticava esses cantos, e essas danças e, ainda assim, têm muitos não-índio que falam que a gente aprendeu a crer,que a gente aprendeu a acreditar em Deus através dos jesuítas, mas isso não é verdade. Nosso Deus, já deixou pra nós as nossas tradições, a nossa cultura, a casa de reza, cachimbo que a gente sempre utiliza para se fortalecer.
A gente explica, para quem vem visitar nossa aldeia, um pouco dos cânticos. Cada música fala um pouco da natureza. Há muito tempo, antes da chegada dos portugueses, onde a gente vivia, tinha muitas árvores, muitas árvores de frutas. Isso tudo, depois da chegada dos portugueses, hoje, não temos nada para sobreviver, nós temos que ir na cidade comprar algumas coisas, porque nós não temos mais nada na floresta. Isso tudo a gente manifesta através dos cantos.
O território
Para nós, não existe fronteira, o uso do espaço, o uso do solo é tudo livre. Porque, antigamente, nossos ancestrais sempre caminhavam, da Argentina para o Paraguai, para o Brasil, eles sempre vinham caminhando, por isso que cada canto que a gente passa, já foi usado pelos nossos ancestrais. Isso que vocês, homem-branco, não reconhecem, falam que a gente é nômade, que não fica em um lugar e tal, a gente está seguindo a revelação do nosso Deus.
Essa faixa litorânea sempre foi do povo guarani, da Argentina, do Paraguai, até o Espírito Santo, essas terras à margem do mar eram todas ocupadas pelo povo Guarani. Porque a gente sempre caminha em busca da terra sem males, e isso tem que ser respeitado. É isso que a gente está querendo mostrar pra sociedade não indígena, de que nós temos um olhar diferente, que nós temos cosmovisão. O que os mais velhos falaram e falavam vem acontecendo, porque eles já tinham essa previsão dos acontecimentos, de que o nosso povo seria incomodado, que nosso povo teria que lutar para manter a nossa tradição. Hoje já não temos mais espaço onde morar, não temos mais lugar para plantar, a gente é impedido de plantar.
E o homem branco nos ensina a comer arroz, feijão e carne, enquanto a gente não pratica a caça, as plantações, porque, quando a gente vai plantar, sempre vem o IBAMA ou Fundação Florestal falando que a gente não pode fazer isso e não pode fazer aquilo, aí a gente é obrigado a ir na cidade vender artesanato. Quando a gente vai pra cidade, falam que a gente não é índio, que já estamos usando roupa, sapato, já tem celular, essas coisas.
Por mais que a gente use as roupas na cidade, ande de óculos, sapato ou tênis, eu nunca vou deixar de ser índio. Ser indígena está no meu sangue, e isso eu nunca vou deixar de lado. Só porque eu ando na cidade ou moro na cidade, não vou deixar de ser indígena.
Cultura e tradição
A gente sempre fala pros visitantes sobre manter a nossa tradição, porque ela é fundamental. Nós guaranis, não pensamos só na gente, a gente pensa em todos os seres vivos que estão nesse planeta. Hoje estamos precisando de solo, da natureza, das águas, dos rios, então todos nós devemos cuidar da natureza, não podemos mais fazer desmatamentos, tirar matérias-primas das terras indígenas ou qualquer lugar.
Isso é o que a gente sempre fala para as pessoas, durante 522 anos a gente está mantendo a nossa tradição. Tanto é, que nós estamos sempre falando em Guarani na nossa comunidade, estamos resistindo, estamos lutando, estamos mantendo a nossa tradição.
É muito difícil a influência da cultura dos brancos, a questão da internet, rede social e essas coisas, mas de fato nós temos que trazer as ferramentas que possam ajudar a nossa comunidade. Nessas questões, a gente sempre fala pros jovens que vão estudar fora, que conheçam um pouco da cultura dos não-indígenas, que eles têm que aprender a respeitar a cultura não-indígena, assim como vocês têm que respeitar a nossa cultura.
Nós estamos aqui na aldeia preocupados com cada um de nós que está aqui nessa terra, sempre preocupados em manter a tradição. Hoje eu sou ativista do povo Guarani, acompanho a questão dos territórios, da saúde, da educação.
Nossa educação é diferente, nós temos a educação escolar e também a educação tradicional. A educação tradicional a gente já ensina em nossa comunidade, com nossos filhos, dentro da nossa aldeia mesmo. Dentro de casa que os nossos filhos tem que aprender a respeitar, aprender a se fortalecer cada vez mais, na questão física e, principalmente, na espiritual. Eles já levam das suas moradas essa sabedoria, para conhecer outra cultura. Quando ele vai pra escola ele já tem aquele ensinamento que os pais passaram pra ele, isso também é muito importante para nos fortalecer cada vez mais.
Nas reuniões que participo, sempre ouço que os povos indígenas aprenderam a se fortalecer, a manter a sua cultura através da criação da escola, mas não é assim que funciona. A gente nasce e dentro de nós a gente já traz um ensinamento do nosso criador, isso que é muito importante a gente carregar na nossa consciência. Não é por acaso que eu faço trabalho de conciliar a comunidade e representar a minha cultura, a minha tradição pros não-indígenas, isso tudo já trago comigo, que Deus me enviou pra ser aquilo, pra lutar pelo meu povo, para defender o direito do meu povo.
A gente sempre fala para os mais novos que estão acompanhando o processo de luta, da forma de organizar também, isso é passado de geração em geração. Porque desde 2000 que mudou muito o ser humano, o modo de pensar, o modo de agir. Hoje em dia, cada um de nós tem que cuidar, e caminhar, e seguir a nossa luta mesmo, pra conseguir o que a gente quer.
E sempre falo que nas palavras também não existe certo e errado, é um ensinamento dos mais velhos. Porque hoje a gente aprende através das nossas cerimônias, dos nossos líderes espirituais, que sempre passam esses ensinamentos para as nossas crianças, principalmente para nós que estamos à frente nessa luta. Isso que a gente sempre fala pros visitantes: “Manter a nossa tradição, costumes e religião é fundamental”