A aldeia Takuari-ty, em Cananéia, litoral Sul de São Paulo, recebeu lideranças de povos originários para discutir e organizar propostas para a 4º Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Além dos anfitriões, foram representadas na reunião realizada no dia 15 de julho, as aldeias Jejy-ty e Takua-ty, de Iguape; Pindo-ty, de Pariquera e Pakuri-ty, também de Cananéia.
O encontro foi organizado pelos pesquisadores indígenas ligados ao projeto ArticulaRRAS com o apoio da comunidade da comunidade da aldeia Jejy-ty. O projeto atua na formação de profissionais da saúde em doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) e seus fatores de risco associados no Estado de São Paulo, sendo coordenado pelo Centro de Ciência, Tecnologia e Inovação para Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Interssan), ligado ao Instituto de Biociências da Unesp de Botucatu.
Foram debatidos os três eixos que nortearão a Conferência Nacional:
Eixo 1: Alimentos, agricultura, alimentação saudável e água;
Eixo 2: Política Pública e;
Eixo 3: Participação.
Para facilitar a participação de todos, no dia anterior à reunião, as crianças da aldeia Jejy-ty elaboram cartazes inspirados nas palavras-chave dos eixos de discussão. Depois da apresentação dos presentes e dos temas, as lideranças, incluindo jovens, tiveram a oportunidade de se manifestar em sua linguagem nativa. Também houve registro em português dos principais temas levantados. Em seguida, foram sistematizadas as propostas em português com a ajuda de todos os presentes.
O documento produzido vai contribuir com outros encontros de municípios da região de Registro. Os resultados também foram anexados ao documento final do debate intitulado “Soberania e Segurança Alimentar dos Indígenas em Contexto Urbano”, realizado no mesmo dia no Centro Pastoral de São José do Belém, em São Paulo.
Eixo 1 – DETERMINATENTES ESTRUTURAIS E MACROESTRUTURAIS PARA A SOBERANIA E SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL
“A demarcação de terras é a medida estruturante para que todas as propostas se efetivem”
ALIMENTO
Nem todas as famílias têm acesso permanente aos alimentos, tem faltado alimentos principalmente para aquelas que não tem um emprego formal vinculados aos serviços à comunidade, pois a produção local não tem garantido alimentos para subsistência. Nem sempre os alimentos que chegam de fora estão adequados do ponto de vista nutricional e cultural. Os espaços comunitários para preparos e distribuição de alimentos são precários e podem colocar em risco a segurança sanitária do alimento.
Propostas:
– Garantir a oferta alimento para as famílias em situação de vulnerabilidade por meio dos programas oficiais, os quais atendam as necessidades nutricionais e culturais.
– Investir na melhorar a produção local de alimentos para consumo.
– Criar cozinhas comunitárias indígenas que possibilitem a manipulação segura dos alimentos.
– Garantir alimentos na alimentação escolar que respeitem a cultura Guarani.
AGRICULTURA
A ausência da demarcação tem limitado a autonomia das famílias e comunidades. Não há liberdade para construir e para plantar nas terras indígenas. Há medo, não há liberdade. As áreas disponibilizadas para a plantação são limitadas, não há como fazer rotatividade de cultura.
Faltam tecnologias adequadas, equipamentos, assistência técnica e insumos para que se consigam produzir alimentos nos solos da região que tem várias deficiências. Os solos da região devastados por erosão e ocupação imobiliária. Não há acesso às sementes tradicionais. Também faltam insumos e assistência técnica para a criação de galinhas e piscicultura.
Propostas:
– Colocar a demarcação das terras indígenas como principal prioridade para a segurança alimentar dos povos indígenas
– Criar um programa de agricultura indígena paulista que inclua, desenvolvimento de tecnologias, assistência técnica, insumos (incluindo sementes e mudas tradicionais), equipamentos, ferramentas e recuperação dos solos e reflorestamento e apoio para a criação de galinhas e piscicultura
ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL
A comida boa é aquela fresca, colhida da roça, incluindo verduras e frutas. No entanto, a produção desses alimentos tem sido limitada nas aldeias por falta de recursos básicos e liberdade para usar a terra. O consumo de alimentos industrializados tem sido facilitado pelo maior tempo de conservação, menor preço, facilidade de preparo.
Propostas:
– Melhorar as condições de produção (incluindo a pesca e a criação de galinhas) para que as refeições sejam preparadas com alimentos locais.
– Desenvolver oficinas de culinária Guarani, guiadas pelos próprios guaranis que detém conhecimentos ancestrais.
ÁGUA
Todas as aldeias têm problema de acesso à água. Nenhuma dispõe de encanamento adequado. Há também falta de água tratada. Há problemas de saneamento nas aldeias.
Propostas:
– Garantir água tratada e encanada para todas as aldeias.
– Garantir a formação de dos agentes indígenas de saneamento básico.
Eixo 2 – SISTEMA NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL E POLÍTICAS PÚBLICAS GARANTIDADORAS DO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA
POLÍTICA PÚBLICA
O atual Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional como está organizado dificulta o acesso e atendimento das demandas das comunidades indígenas. Os indígenas não têm quase nenhum acesso aos recursos do município, ou quando conseguem estes não atendem demandas específicas (ex. patrulha agrícola, serviços de saúde).
– Que o SISAN estabeleça regras mais claras e formas de monitoramento dos municípios, as quais garantam acesso às aldeias indígenas a todos os programas do Estado e da Federação na área de SAN e que esses sejam resolutivos quantos às necessidades específicas (língua, cultura).
Eixo 3 – DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO SOCIAL
PARTICIPAÇÃO
Há baixa participação de representantes indígenas nos conselhos e outras instâncias de participação voltadas a Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. Há dificuldades para o custeio das despesas geradas pela participação. Há momentos em que a comunicação em língua
nativa para que todos dos presentes possam entender e se manifestar, torna-se importante.
– A obrigatoriedade de vagas para indígenas nos municípios que tenham indígenas residentes.
– Financiamento da participação indígena em todas as instâncias de participação.
– Garantir nas instâncias de participação, momentos de falas em guarani para a plena comunicação dos participantes.